Escritora maldita, matemática profana, amante das palavras e acusada de bruxaria. Este arquivo reúne os fragmentos da mente mais incompreendida do século XIX.
Retrato imaginado de Letícia Luthor, realizado com base em descrições de seus contemporâneos.
Nascida e criada em Milão, Itália, Letícia cresceu rodeada por arte, silêncio e estranhezas. Desde a tenra idade, murmurava ideias que assustavam os padres, encantavam as serviçais e desconcertavam sua mãe. Aos sete, escrevia símbolos estranhos em guardanapos; aos doze, sonhava com mulheres que a perseguiam em bosques florentinos.
"Quando criança, enquanto os outros brincavam de casinha, eu arquitetava futuros paralelos em cadernos escondidos sob o assoalho. Sempre soube que a vida comum não me pertencia."
Letícia registrou, sem temor e com ironia, sua escolha por uma vida fora dos salões respeitáveis da sociedade. A frase que lhe trouxe infâmia ecoa ainda hoje nos corredores da literatura proibida:
"Chamo-me Letícia, mas chamai-me a tal da LL. Abandonei a faculdade sem hesitar, pois meu sonho era escrever histórias e, com isso, escandalizar o mundo."
Mais do que um desejo carnal, sua escrita revela um pacto íntimo com o escândalo e a libertação do corpo como manifesto.
Letícia explorava os limites do viver através de jogos mentais e físicos, cujas regras flertavam com o abismo:
"Apresentaram-me o jogo da Baleia Azul e, em poucas noites, amei-o como quem ama a própria sentença. A luta entre vida e morte, lucidez e delírio — isso me mantinha desperta."
"Milany Moretti levou-me à roleta russa. Desde então, todos os crepúsculos, sentamo-nos em roda e oferecemos à sorte nossas cabeças. É nossa missa escura, nossa comunhão pagã."
Inspirava-se em mulheres que a História tentou apagar: hereges queimadas, amantes proibidas, feiticeiras de aldeias esquecidas. Mulheres que sussurravam verdades por trás de véus rasgados.
"Mulheres de semblante forte e olhar indomável, que parecem destinadas a devorar a alma de quem ousa admirá-las."
"Sinto fascínio por aquelas que não pedem licença para existir. Mulheres que sabem do próprio poder e dele fazem arte, guerra ou silêncio."
"A visão da queda de um herói me enternece. Pensar na morte de um homem tido como invencível... há nisso uma beleza trágica que me alimenta."
Jamais escondeu sua paixão por outras mulheres. Sua escrita, ousada e sincera, tornou-se prova contra ela em tribunais morais — e inspiração eterna para as que vieram depois.
"Sou mulher que deseja mulheres. E se o inferno me espera, que esteja adornado com o perfume delas."
Letícia tratava o desejo não como pecado, mas como ritual. E ao escrever, encantava. E ao confessar, provocava.
Durante um período de reclusão voluntária, Letícia passou a escrever cartas que jamais foram entregues — destinadas a entidades que apenas ela parecia enxergar. Espíritos, amantes esquecidos de outras eras, ou talvez visões dela mesma em diferentes existências. Suas palavras transbordavam um lirismo doentio e luminoso:
"Escrevo a ti, que me observa através dos espelhos velados. És minha cópia invertida, meu reflexo em febre. Se sou carne, tu és sombra — e juntas formamos o poema que nenhuma alma sã ousaria declamar."
Num dos trechos mais controversos do manuscrito, Letícia lança mão de uma escrita ousada para abordar o prazer feminino. Critica a moral imposta pelos púlpitos, exalta o toque como rito e compara o orgasmo à iluminação mística:
"Disseram-me que o prazer era pecado. Mas nunca senti tamanha pureza quanto ao tocar-me sob a luz da lua. Se pecado for conhecer o divino por entre os dedos, então quero arder — mas que seja rindo."
Letícia descreve noites inteiras em que escrevia como possuída, afirmando que as palavras não vinham dela, mas através dela. A caneta molhada em vinho e sangue tornou-se símbolo de sua devoção absoluta à linguagem:
"Escrevi por sete horas seguidas, sem repouso. Minhas mãos doíam, mas as palavras fluíam como se o próprio demônio me soprasse versos. Que força é essa que me usa como pena e me consome a cada linha?"
A fama de Letícia como bruxa não nasceu apenas de seu saber ou de sua rebeldia. Testemunhas afirmavam vê-la à luz de velas, escrevendo com sangue; outras diziam que seus olhos mudavam de cor ao entardecer. O Tribunal Eclesiástico acusou-a de heresia, perversão e bruxaria. Nunca pediu clemência. Suas palavras durante o julgamento tornaram-se lenda:
"Não sou bruxa por conjurar feitiços, mas por ser mulher livre num mundo que detesta mulheres livres. Queimem-me, e ainda assim, minhas palavras arderão com mais força que vossas fogueiras."
Apesar das acusações, Letícia nunca foi uma bruxa. Seus escritos, ousados e poéticos, confrontavam as normas de sua época — e por isso, era temida. Morreu em sua casa, em silêncio, cercada por livros, taças vazias e uma carta inacabada sobre a liberdade. Testemunhas dizem que, pouco antes de seu último suspiro, ela teria sorrido.
"Se fui bruxa, foi por escrever com a alma. Se fui perigosa, foi por pensar. E se parti, é porque até mesmo o corpo cansado deseja repouso sob as folhas secas do outono."
Seu corpo foi enterrado fora dos limites da cidade, num campo silencioso. Hoje, o local é visitado por jovens escritoras, místicas, sonhadoras — e por aquelas que ousam viver como Letícia viveu: intensamente.
"Nasci para amar as mulheres — e não me arrependo de um só olhar que lhes lancei."
"Se a morte há de me alcançar, que o faça entre coxas sagradas, sufocando-me no prazer que a Igreja teme nomear."
"Meu peito se inflama não por honra ou glória, mas pelo desejo nu e confesso que nutro pelos seios das mulheres livres."
Estas frases, extraídas de seus diários proibidos, selam o destino de uma mulher que, para muitos, não foi apenas escritora — foi feitiço.